domingo, 13 de dezembro de 2009

TREM NOTURNO PARA LISBOA


Cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos. Por isso aquele que despreza o ambiente não é o mesmo que dele se alegra ou padece. Na vasta colônia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente. (Fernando Pessoa, Livro do desassossego.)

"[...] Para podermos nos despedir de alguma coisa, pensou, enquanto o trem se punha em marcha, é preciso enfrentá-la de uma forma que gere um distanciamento interior. É preciso transformar essa naturalidade tácita, difusa, que toma conta da gente, em uma clareza que revela o significado de tudo aquilo." p.40



O ato de abraçar um livro após a leitura de suas últimas páginas pode ser traduzido pela necessidade, imperiosa, de manter vivas as palavras. A palavra sentida se perde em segundos, como a sensação da compreensão.

A leitura suave, feita com o sentir, não consegue manter-se no intelecto, lá o material disponível tem efeito contrário, a redução ao entendimento acadêmico.

Decidi, hoje, às 8h45: vou tomar o trem noturno para Lisboa. Expressão idiomática, usada para se referir a alguém que pretende mudar de vida, criada pelo sucesso da obra de Pascal Mercier, pseudônimo de Peter Bieri.

"[...] pensar é a segunda coisa mais bonita. A mais bonita é a poesia. Se houvesse o pensamento poético e a poesia pensante, seria o paraiso." p.352

"[...] a poesia supera tudo ... Anula todas as regras." p.371

e finalmente:

"[...] é preciso aceitar seu próprio kitsch para se libertar." p. 372
Não há outra forma, não há atalhos. Mesmo sabendo como é penoso e quase impossível, é preciso aceitá-lo. Mas para isso é também necessário identificá-lo, e então não perecer sob uma tontura torturante, devastadora do próprio ego.
"[...] Seriam necessárias uma coragem e uma força divinas para que se pudesse viver em perfeita sintonia com a verdade. É o que sabemos, também de nós mesmoss. Não há motivo para presunção." p.452

Não vou desvendar os mistérios da narrativa do nosso condutor nessa viagem às profundezas da alma do leitor. Até porque eu mesma, leitora mediana, mal consigo vislumbrar algumas pistas que logo se perderão na rotina de minha existencialidade medíocre.

O máximo que posso fazer é desejar uma BOA VIAGEM áqueles que se propuserem a enfrentar o desafio de pegar o TREM NOTURNO PARA LISBOA.

EM TEMPO:

"[...] POR QUE TU, ENTRE TODOS?... Ninguém é destinado para o outro. Não apenas porque não existe um destino, mas porque tampouco existe alguém que seja capaz de manipular as vidas a esse nível. Não: acima de tudo porque, entre as pessoas, não existe nenhuma obrigatoriedade que possa transceder as necessidades casuais e o poder dominador do hábito" p.450

4 comentários:

Anônimo disse...

Anália,

Sou fã de pessoas que se aventuram no universo da leitura, mesmo sendo eu não acostumado ao prazer da mesma.

Estou aqui há duas semanas mas já percebi que você é uma pessoa especial, e pessoas especiais deixam rastros de alegria e aprendizagem.

Que minha estadia seja uma oportunidade para eu experimentar dessa alegria e aprendizagem.

Um grande beijo.


Lawrence

Anônimo disse...

Este seu trem me lembrou um filme canadense que vi neste fim de semana no DVD.

A era da inocência

péssima tradução para L’Âge des Ténèbres ( A idade das trevas )..

É do mesmo diretor de Invasões Bárbaras.

É cômico e dramático ao mesmo tempo. Eu dei boas risadas.
Para o drama existencial em países onde o Estado é competente (o que não é o caso do Brasil) só resta rir.

Sugiro vc. ve-lo. De preferência em um dia de chuva. Assim fica mais parecido com o Canadá.
Se eu aluguei o DVD em Petrópolis creio que voce irá conseguir fácil no Rio.
Bjs,
Ney Luchi

Anônimo disse...

Naná,

Li ontem um texto de Fernando Pessoa e me lembrei de ti,
"Ficções do Interlúdio".
Não sei se leu, mas esse texto tem um "Q" de Anália.

[...]"Quando me sinto isolado a necessidade de ser uma pessoa qual-
quer surge.
E redemoinha em volta de mim em espirais oscilantes.
Esta maneira de dizer não é figurada;
E eu sei que ela redemoinha em volta de mim como uma borboleta em volta de uma luz.
Vejo-lhe sintomas de cansaço e horrorizo-me quando julgo que ela vai cair.
Mas de nunca suceder isso acontece eu estar às vezes isolado [...]"

Talvez não tenha nada dessa Anália que mora aí dentro, mas me lembrou muito a Anália que eu percebo.

Vou enviar o texto.
Muitos beijos,

Deb.

Anônimo disse...

Amália, companheira de viagem de trem... Desceu em uma estação antes de mim e agora também desci e me encontro frente ao mar. Sempre sonhei com ele e consegui. Comprei uma casinha em Lucena, João Pessoa e tão logo o meu trem parta chego lá. Por enquanto estou dividindo o meu tempo entre B.H. e Lucena, meus idosos pais precisam da minha presença.
Preciso saber mais de você...
Um grande abraço e um 2010 com muitas alegrias!
Da amiga distante,

Consuelo.