domingo, 24 de agosto de 2008

O RISCO DO BORDADO

MINAS by Miari
A obra de Autran Dourado – O Risco do Bordado – nos remete aos tempos de meninice no interior das Minas Gerais. Nas fazendas de café, em plena ascensão do ouro verde no mercado exterior, não havia luz elétrica. Ao anoitecer, depois do jantar, nos reuníamos sob a luz do lampião de querosene na ampla cozinha, onde reinava absoluto o fogão de lenha. Os casos contados pelos mais velhos prendiam a atenção da criançada.

A narrativa lírica é construída para absorver o leitor sem, contudo, satisfazer por completo sua objetividade. A magia está na subjetividade.
O autor deixa a cada “causo” contado um gostinho de quero mais, generoso dá ao leitor o direito de co-autor na sua criação.
“O Risco do Bordado” tem o cheiro das montanhas do Sul de Minas. Duas Pontes é, simultaneamente, Guaxupé, Três Pontas, Boa Esperança, entre outras cidades, pequenas mas ricas em histórias, mistérios e poesia.
TRES PONTAS - by Miari

Dourado descreve a natureza humana; com suas misérias, patologias, medos, sua coragem, perversões, amores, pelos olhos inocentes de um menino que com sua viagem para a cidade grande, com o fim de completar os estudos, se afasta de suas raízes, mas sem romper o elo com aquelas histórias, com aqueles personagens que povoaram seus sonhos de menino. Já adulto retoma contato através de personagens ainda vivos. É quando Autran permite ao leitor um retorno gradativo, mas eficiente, à realidade não menos poética da existência adulta de João.
Gosto de selecionar um trecho das obras que leio como síntese da narrativa. O Risco do Bordado poetiza sobre o tempo, sobre o amadurecer, sobre juventude e velhice, sobre perdas, enfim, sobre a vida. Ei-lo:

“[...] As coisas mudavam e o tempo passava não só dentro dele e nos olhos dos outros. Havia várias qualidades de tempo: o tempo presente – o tempo dos outros, que depois ele incorporaria à massa geral informe do tempo e seria transformado no seu próprio tempo quando depois ele procurasse lembrar; o tempo passado – o seu próprio tempo, que vivia uma existência paralela à sua, que ele não podia controlar; o tempo das montanhas e das coisas inanimadas (para nós), móveis e fluidas diante da eternidade, o sem-tempo de Deus. [...]”

MINAS by Miari

Quem teve a oportunidade de conhecer as cores vibrantes, o aroma delicado, a brisa estonteante das Minas Gerais do Sul, se afastado sentirá saudades, se presente sentirá orgulho das histórias narradas por Autran Dourado em “O risco do Bordado”.

As fotos aqui apresentadas podem ser apreciadas na página de um talentoso mineiro de Três Pontas, Alessandro Miari. http://www.flickr.com/photos/alessandromiari/