domingo, 28 de setembro de 2008

ORAÇÃO PARA QUEM ESTÁ ENVELHECENDO

Oração para quem está envelhecendo
psicografado por Raul Teixeira


Senhor, tu sabes que estou envelhecendo.
Ajuda-me a pensar que não sou uma peça imprestável, no movimento da vida.
Reconheço que não tenho mais as mesmas capacidades físicas, que me animaram a juventude, nem os mesmos reflexos e disposição.
Contudo, auxilia-me a não desanimar, e muito menos pedir, aposentadoria indevida das lides do mundo.

Não me deixes emurchecer, como flor queimada pelo sol.

Não permitas que eu tenha a idéia fixa de falar de mim o tempo todo. Impede-me de repetir detalhes infindáveis.

Dá-me rapidez para que eu seja objetivo.

Fecha a minha boca quando eu estiver propenso a falar de minhas dores e de meus sofrimentos. Eles estão aumentando com o passar dos anos, e meu desejo de falar deles aumenta a cada dia.

Ensina-me a dialogar, sem me fazer excessivamente falador, a fim de não causar indisposição nos demais.

Não me permitas conceber limitações desnecessárias.

Coloca as minhas mãos no trabalho a fim de que eu elabore ainda criações no campo da música, da pintura, da jardinagem, da cerâmica.

Ensina-me a melhor ocupação para o tempo que disponho. Um tempo que, desde os dias da juventude, reclamava não ter. Permita que eu me levante a cada dia disposto a aprender alguma coisa mais. Pode ser uma forma diferente de usar o pincel, uma breve poesia, um ensinamento, uma receita surpreendente.

Desejo ser jovial sem parecer tolo e imprudente.

Torna-me solícito mas não abelhudo. Prestativo, mas não dominador.
Desejo ser um avô que possa contribuir com a educação dos meus netos e não os deseducar, com a única finalidade de que apreciem sair comigo, nas tardes de primavera.

Ensina-me, ainda, a gloriosa lição de que, às vezes, posso estar errado.

Aprendi muito, guardo experiências preciosas, mas não tenho o direito de desprezar os avanços da modernidade e da ciência. Depois de ter adquirido uma enorme bagagem de sabedoria e experiência, parece uma pena eu não poder usá-la totalmente, sem criar embaraços aos demais.

Se a dependência física se tornar necessária, ajuda-me Deus, a ter paciência comigo mesmo, suportando o corpo que tanto me serviu até aqui. Com ele eu dancei, cantei, viajei, vivi doçuras, momentos bons e maus. Auxilia-me a continuar a amá-lo.

Tu sabes que precisarei não ser inconveniente, a fim de não incomodar tanto aos demais.
Por isso, te peço que me ensines a pensar duas vezes, antes de reclamar, insistir e exigir o que quer que seja, a quem tenha que cuidar de mim.

Não me permitas secar a fonte das lágrimas. Precisarei delas, com certeza, nas horas de tristeza, para desafogar o coração cansado. Entretanto, não me deixes tornar um ser melancólico e chorão.
Permite-me gozar do calor do sol e da bênção da chuva, com o mesmo entusiasmo de sempre.

E, finalmente, Senhor, o meu desejo final é ter sempre alguns amigos.
Esses seres abençoados que, no mar imenso da vida, qual jangada preciosa, remaram firmemente ao meu lado. Muitos deles poderão partir antes de mim, mas permite que alguns permaneçam a fim de que nunca desapareça de vista a expectativa das suas presenças.

Enfim, Senhor, torna-me um ancião nobre, que demonstre a sabedoria do envelhecimento digno.

A vida é constituída de muitas fases. Aprenda a viver cada uma delas, com todo o entusiasmo porque a infância, a adolescência, a juventude, a madureza e a velhice têm cada qual o seu encanto particular.

Não se permita viver sem descobri-lo para jamais se sentir infeliz por passar de uma fase para outra. O segredo da felicidade é viver cada dia em plenitude.

sábado, 13 de setembro de 2008

BREVES CONSIDERAÇÕES


EU É UM OUTRO
Roberto Freire




A Autobiografia de Roberto Freire é, sem dúvida alguma, uma excelente leitura. O livro me foi indicado, e disponibilizado, por um recem conquistado amigo que tem me proporcionado muitas alegrias. Nossa interlocução é, sem dúvida, muito prazerosa.

A leitura de uma autobiografia sempre me preocupou, mas Roberto Freire (o Bigode) consegue efetuar uma reflexão clara e isenta da sua vida, seus amores, seus ideais e, o mais importante, suas escolhas.

Para quem já leu sua obra, a leitura de "Eu é um Outro" será uma descoberta muito interessante, para quem não leu a obra do Bigode, a leitura de "Eu é um Outro" será a motivação que faltava para fazê-lo.


O SALÁRIO DO MEDO
Georges Arnaoud

Este foi o meu primeiro contato com esse autor francês. Se gostei? Ainda não sei.

Foi uma leitura difícil, não sei se pela tradução no português de Portugal - coisa que jamais me atrapalhou na leitura de SARAMAGO - ou se pela narrativa em si.
Arnaoud conta a história de quatro vagabundos, cada um de uma nacionalidade, que aceitam um trabalho perigoso para uma empresa de Petroleo americana pelo dinheiro e a possibilidade de sair daquele lugar perdido na America do Sul.

Com esse pano de fundo o autor efetua uma leitura singular com relação a natureza humana, suas lutas, suas derrotas e suas vitórias. Gerard, um homem de garra e estóico, conquista a luta que trava pela sobrevivência, vence cada etapa deixando pedaços de sí pelo caminho. A relação do motorista, Gerard, com o caminhão e sua carga explosiva é a metáfora da relação do homem com o meio - tanto social como familiar - e seus perigos.

O livro que se tornou filme em 1953 na Direção de Henri Georges Clouzot estrelado por Ivys Montand, foi o sucesso da época.

O que impressiona é a vulnerabilidade que as vitória, o entusiasmo, a alegria extrema pode causar no homem acostumado com perdas, lutas e derrotas.

Será uma obra que deixarei para uma segunda leitura mais tarde, daqui há alguns meses. Preciso saber se gostei ou se odiei, não posso ficar neste estado de dúvida impactante em que me encontro neste momento, algumas horas após terminada a leitura.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

The Fever

Filme / Drama
Nome Original: The Fever
Direção: Carlo Gabriel Nero
Elenco: Vanessa Redgrave, Michael Moore, Joely Richardson, Rade Sherbedgia, Geraldine James, Angelina Jolie, Cameron D'Angelo, Miriam Turner, Daria Knez
País: EUA/Reino Unido
Ano: 2004
Duração: 83 min
Cor: Colorido
Classificação: Programa para jovens e adultos

Uma inglesa desperta, à meia-noite, num hotel de um país em guerra. Ela tem febre e começa a relembrar seu passado acomodado e as pessoas que mudaram sua visão de mundo. E descobre que de algum modo contribuiu com a violência gerada pela miséria.
Como você se sentiria se, em dado momento, sua lucidez lhe desvendasse a realidade da miséria humana? Tortura, fome, morte, dor, perda, carência, sujeira.

Você construiu seu mundo protegido, provido de todos os confortos de uma existência digna. Você lutou muito, estudou, trabalhou, criou seus filhos (hoje sua maior realização, motivo de orgulho e auto-estima). Você merece vivenciar as coisas bonitas, limpeza, arte, a boa mesa e os bons vinhos. Champagne. Você gosta da sua vida, está protegido. É um espectador da realidade. Da janela de seu carro, ou de seu táxi, ou mesmo do ônibus, você vê a miséria. Os mendigos que dormem na rua enquanto você vai para o trabalho. Os pedintes, os corpos cobertos de lona negra aguardando o IML. As balas perdidas na favela, a fome. A violência que fervilha à sua porta, tão perto, distante do mundo que você construiu. Não. Você não é um alienado, você sabe de tudo o que está acontecendo à sua volta. Compadece-se, mas nada pode fazer, a vida é assim; para alguns é mais fácil e para muitos, impossível. Você sozinho não pode fazer nada. É um problema de políticas públicas.

Mas suponhamos que num dado momento você acesse a realidade, não como espectador, não no conforto do seu quarto, da sua casa, do seu carro, do seu trabalho. Mas “in loco”. Você decide viver uma semana na favela, junto ao povo, sentindo o seu cheiro, sua fome, ouvindo sua linguagem, presenciando a tortura, a morte. Vamos supor que isso seja possível – que você queira essa experiência – já imaginou quais seriam as conseqüências? Você poderia retornar à sua vida estruturada e segura? Como seria para sua alma?

O filme “The Fever” aborda justamente esta questão.

É um filme denso, uma “pancada” na boca do estômago.
Não é uma abordagem a partir das injustiças sociais, pelo contrário, a abordagem é a partir de uma mulher madura, realizada, burguesa nos gostos e na existência. No entanto é uma mulher inteligente e sensível – apesar de toda a proteção que sempre teve da família, dos amigos e dos vizinhos (segundo ela mesma acredita).
Mas na próxima esquina, no momento de ir ao supermercado para abastecer a casa. Na hora de escolher a roupa que se usará para aquele encontro. No crepúsculo do dia, quando a cama é o destino. Tudo se perde, o sentido de sobrevivência é muito forte, precisamos viver, precisamos conviver, de preferência sem a dor.

E, com o cessar da febre, você retorna à segurança de seu mundo. Não é seu o problema. Mas tudo será da mesma forma? Você está limpo? Até que ponto foi contaminado pela convivência com a miséria?

Após assistir às belíssimas imagens, vivenciar a metáfora da descoberta (seu corpo ensangüentado, torturado e preso), quando surge na tela aquelas letrinhas pequenas que nos deixam perdidos, sem saber o que fazer nos próximos segundos, fica a questão, a pergunta milenar, a dúvida, o medo, a insegurança. O que fazer?