sábado, 26 de julho de 2008

AS BRASAS - Sàndor Màrai

"[...] Quer que lhe diga?...
'
A gente vai envelhecendo aos poucos: numa primeira fase, atenua-se a vontade de viver e de ver nossos semelhantes. Vai prevalecendo o sentido da realidade, vai se esclarecendo o significado das coisas, você acha que os acontecimentos se repetem monótona e fastidiosamente. Isso também é um sinal de velhice. Finalmente, você percebe que um corpo é apenas um corpo e que os homens, pouco importa o que façam, são apenas criaturas mortais. Depois, seu corpo envelhece, não todo de uma vez, é verdade, primeiro envelhecem os olhos ou as pernas, o estômago, o coração.
Vai
A gente envelhece assim, pedaço por pedaço. E então, de repente, sua alma envelhece: mesmo sendo o corpo efêmero e mortal, a alma ainda é movida por desejos e recordações, ainda procura a alegria. E quando também desaparece esse desejo de alegria, só restam as recordações e a inutilidade de todas as coisas; nesse estágio, estamos irremediavelmente velhos. Um dia você acorda e esfrega os olhos e não sabe mais por que acordou. Já sabe exatamente o que o dia apresentará a seus olhos: a primavera ou o inverno, os cenários habituais, as condições atmosféricas, a ordem dos fatos.
Nada de surpreendente pode acontecer:
Nada de surpreendente pode acontecer: não o surpreendem nem sequer os fatos inesperados, insólitos ou horripilantes, porque você conhece todas as probalidades, já previu tudo e não espera mais nada, nem para o bem nem para o mal... e esta é a verdadeira velhice. E no entanto, alguma coisa ainda vive em seu coração, uma lembrança, uma vaga e nebulosa esperança, há alguém que gostaria de ver, há algo que ainda gostaria de dizer ou saber. Um dia, você tem absoluta certeza, chegará esse momento, e então, de repente, saber e enfrentar a verdade já não lhe parecerá tremendamente importante como imaginara durante os anos de espera. O homem compreende o mundo um pouco de cada vez, e depois morre." (p.150)

domingo, 20 de julho de 2008

A 25a.HORA

por Anália Maia


Tive uma infância solitária.

Os motivos não os conheço, mas desde a Escola Primária meus companheiros de aula me rejeitavam, não escondiam o desprezo que sentiam. Talvez seja meu sentimento internalizado de rejeição, ou minha arrogância em permanecer humana. Creio que já me acostumei, mas a sensação de inadaptabilidade permanece em mim. Não importa, já não necessito da aprovação social.

Desde então tenho sempre ao meu lado um verdadeiro amigo. O amor intenso e cheio de gratidão que sinto é retribuído por uma fonte inesgotável de prazer. À minha solitária existência é oferecida a beleza das cores, a alegria do pulsar ritmado da paixão. Passados os anos ainda o tenho ao meu lado; disponível, aberto, cheio de aventuras e, sobretudo, de ensinamentos que me alimentam e amadurecem o espírito.


Cada livro que leio me transforma um pouco. Alguns são inócuos, mas não de todo porque me divertem, outros são agradáveis, fornecem combustível para continuar vivendo, outros, ainda, transformam, levam-me às reflexões profundas donde emirjo amadurecida, endurecida, pronta para novas chibatadas. Consciente da minha solidão, mas sem viver na solidão. Os livros não me permitem ficar só. “[...] – Eu sou escritor – disse Traian – Para mim, um escritor é um domador. Quando se mostra aos seres humanos o Belo, isto é, a Verdade, eles amansam. [...]” (p. 260) “[...] – Eu sou poeta, George – disse Traian – Possuo um sentido que os outros não têm e que me permite entrever o futuro. O poeta é um profeta. [...] Tenho que gritar aos quatro ventos, mesmo que o grito não agrade.[...]”

Assim, os escritores vão construindo minha existência, forjando o metal disforme da sensibilidade no mais puro ouro jamais visto – pois que oculto – pelo homem. Isso é alquimia. São, portanto, alquimistas, os escritores.

Há anos passados, na minha juventude, li a obra de VIRGIL GHEORGIU “A 25º. Hora”. Gostei tanto que por algum tempo serviu-me de parâmetro para a leitura do Mundo. No entusiasmo e deslumbramento de minha juventude não pude ir além das mensagens mais evidentes, que se transformaram em slogan para a minha geração.

Hoje terminei a nova leitura do livro de Virgil. Fui tomada de incrível surpresa. Não só por sua atualidade aos tempos hoje vividos (a trama se dá nos primeiros anos do surgimento da Civilização Técnica Ocidental – nos anos 40 do século XX), onde: “[...] O homem por reduzido a uma única das suas dimensões: a dimensão social. Foi transformado em Cidadão, que já não é sinônimo da dimensão de homem. [...]” (p.382)

O sentir perdeu espaço para a estatística. A racionalidade é hoje, formada pela máquina da mídia (4º. Poder) que leva o homem a pensar em bloco, como parte de uma categoria. Essas categorias são identificadas pelo Ibope na programação das televisões. É desintegração do homem individual, que fica à margem percentual dos que “não sabem” ou “não querem opinar”, “[...] e tornar-se-á o riso de toda a gente se quiser levar uma existência individual.[...]” (p.48) Um Ser anti-social , maior pecado para um cidadão do século XXI. “[...] Essa sociedade só conhece algumas dimensões do indivíduo. O homem integral individualmente tomado já não existe para eles.[...]” (p.243)

Certa vez um amigo querido afirmou que sou apaixonada demais, tudo que vivo é intenso, mergulho com paixão nas coisas e por esse motivo não consigo manter o foco, realizar algo importante na Civilização Técnica Ocidental. É verdade, fiquei “em cima do muro”, sobrevivendo da máquina social e me alimentando da existência espiritual. Não me arrependo, pelo menos sobrevivi com o espírito livre.

Vou terminar (pois se continuar jamais poderei encerrar) com o texto em que Nora West, judia romena, rejeita o pedido de casamento do Tenente Lewis, responsável pelo Campo de Concentração Americano na Alemanha pós Hitler. Faço de suas palavras (na íntegra) as minhas, para o Mundo e para aqueles que amo da forma descrita por Nora:

“[...] – Ouça, Sr. Lewis! – disse Nora. – Depois de ter ouvido as declarações de amor de Petrarca, Goethe, Lord Byron, Púchkin; depois de ter ouvido Traian Koruga (seu marido morto no campo de concentração americano) falar-me de amor; depois de ter ouvido as canções dos trovadores e de os ter visto de joelhos diante de mim, como de uma rainha; depois de ter visto matarem-se por minha causa reis e cavaleiros; depois de ter falado de amor com Valéry, Rilke, D’Annunzio, Eliot; como poderia eu tomar a sério essa proposta de casamento que o senhor me atira à cara ao mesmo tempo que o fumo do seu cigarro? [...]”
“[...] – O amor é uma paixão, Sr. Lewis – disse ela – já deve ter ouvido dizer isso, ou, pelo menos, leu-o em qualquer parte. [...] O amor, a suprema paixão, só pode existir numa sociedade que ache que cada ser humano é insubstituível e único. A sociedade a que senhor pertence crê, pelo contrário, que cada homem é perfeitamente substituível.



VIRGIL GHEORGIU nasceu em 1916 na Roménia e faleceu em 1992 em Paris. Estudou em colégios militares romenos, depois na Faculdade de Letras de Bucareste, depois Teologia, na Alemanha. Após a ocupação da Roménia pela União Soviética, em 1944, instalou-se em França onde foi ordenado padre da Igreja Ortodoxa em 1963 e posteriormente patriarca em 1971. Escreveu mais de quarenta livros, entre romances e ensaios.

domingo, 13 de julho de 2008

NÃO ESTOU LÁ

por Angélica Bito

Assim como no excelente Velvet Goldmine (1998), o diretor Todd Haynes inspira em acontecimentos de uma lendária figura da música para traçar um filme totalmente único. Se no filme de 1998, as inspirações foram David Bowie e Iggy Pop, em Não Estou Lá, o cantor folk norte-americano Bob Dylan e suas experiências servem base para a criação de um roteiro.

Inspirado pelas músicas e muitas vidas de Bob Dylan, como explica um letreiro logo no início do longa, Não Estou Lá (também nome de uma música do cantor) traz várias histórias de personagens que vivem passagens da vida de Dylan. Atores do naipe de Christian Bale, Cate Blanchett, Richard Gere, Heath Ledger, Charlotte Gainsbourg e Julianne Moore embarcaram neste ousado projeto de Haynes interpretando as muitas faces e personalidades que envolvem a biografia do cantor.

Ao mesmo tempo em que se inspira por passagens lendárias na vida do cantor – como quando ele apresentou a maconha aos Beatles, que fumaram a erva pela primeira vez acompanhados pelo cantor em visita à Inglaterra -, Não Estou Lá desenvolve histórias e personalidades a cada um dos personagens também tendo como base as canções de Dylan. Todas as histórias são interessantíssimas de serem acompanhadas e são intercaladas de uma forma harmoniosa. Mas, sem sombra de dúvidas, a mais interessante é a de Jude graças à atuação memorável de Cate Blanchett, que encarna o cantor no auge de sua popularidade, durante os anos 60. Ela é capaz de representar muito bem essa dualidade encontrada no próprio artista que, ao mesmo tempo em que se tornava cada vez mais popular, era acusado de mudar sua arte para vender mais discos.


Como não poderia deixar de ser, a trilha sonora de Não Estou Lá é genial. Além de ser composta por belas canções de Dylan, ainda traz versões de suas músicas feitas por artistas como Stephen Malkmus, ex-vocalista da banda indie Pavement; Sonic Youth, cantando a música que dá nome ao filme; Yoa La Tengo; Sufjan Stevens; a atriz Charlotte Gainsbourg fazendo dueto com a banda Calexico; Antony And The Johnstons interpretando uma linda versão de Knocking On Heaven’s Door durante os créditos finais; Jeff Tweedy (vocalista do Wilco) e Cat Power. Tenho certeza que somente este parágrafo convencerá muitos a se abalarem até o cinema.

Ao mesmo tempo em que Bob Dylan é considerado não somente um cantor, mas principalmente um poeta, um trovador norte-americano, Não Estou Lá é mais do que uma cinebiografia, sendo totalmente diferente dos filmes do gênero produzidos a rodo atualmente por Hollywood. Não Estou Lá tem inspiração na vida real de Dylan, mas aparece mais como um grande rompante de inspiração de Haynes. Entrecortado, recortado e com diálogos geniais, o longa pode ser visto como uma versão cinematográfica de uma canção de Dylan.

sábado, 12 de julho de 2008

SANGUE DE AMOR CORRESPONDIDO


A leitura dessa obra de Manuel Puig é um desafio para qualquer leitor, mesmo para o leitor escritor. Nele será impossível aplicar as inferências realizadas pela leitura de Francine Prose "Para Ler como Um Escritor". Nesse caso, de Puig, é necessário ler como "fratura exposta", como Ser livre de preconceitos, principalmente o linguístico, tão comum entre os "intelectuais".

Pausa para me desculpar pelo excesso de aspas. Espero que compeendam.

Mas voltando a Puig, a obra é um mistério a ser desvendado pelo leitor, que é arrebatado pela curiosidade desde as primeiras linhas.

São 202 páginas de puro delírio, onde o dispositivo de defesa do narrador viaja por fantasias eróticas para fugir da realidade de sua vida insípida e desconexa. A narrativa é desconexa, incrível. Puig trama a sua história pelo caminho inverso do apontado por Prose; a liberdade criativa se faz sentir em cada palavra, na pontuação, nos parágrafos, e, até mesmo, na personagem narradora. Apesar da narrativa ser em terceira pessoa, quem nos conta sua história é o próprio Josemar, portanto, personagem narrador.

Mas não esperem uma história linear, o livro é um desabafo. A fuga de um brasileiro típico da realidade brasileira. Da "roça" vai morar em Guarulhos e depois vai para o Rio de Janeiro na busca de melhores oportunidades na vida. Josemar é pedreiro "formado" e eletricista. A época é apresentada na linguagem - escrita e falada - por Josemar e seus antagonistas.
O Leitor se torna co-autor; deduz, reflete, "dá ré" - retorna a leitura de páginas já lidas - compara trechos. Ao mesmo tempo sente: o perfume das noites de lua, o aroma do sexo feito com prazer e vontade, o azedo da fome, o amargo da solidão.
É o primeiro romance de Manuel Puig (escritor Argentino) escrito no Brasil.
"Mais do que uma linguagem escrita, são diversas linguagens orais, definidoras das classes sociais das personagens, para melhor compreensão de uma época."
Gosto do trabalho desse autor argentino, autor de obras como: "O Beijo da Mulher Aranha", "Boquinhas Pintadas", "Pubis Angelical", entre outras em sua vasta produção literária.
por Anália Maia

PARA LER COMO UM ESCRITOR - UM GUIA PARA QUEM GOSTA DE LIVROS E PARA QUEM QUER ESCREVE - LOS
PROSE, FRANCINE
JORGE ZAHAR

A autora indica como técnica fundamental a leitura atenta (close reading), pausada, meticulosa do texto para descobrir a real e mais íntima intenção do escritor. Somente desta maneira os detalhes mais preciosos serão notados pelo leitor. Para Prose isso talvez seja corriqueiro, pois como professora de oficinas de escrita e de pós-graduação em MFA (Master of Fine Art's) ela ganha para ensinar utilizando-se destas análises detalhadas.

O livro tem o tom de uma apostila ou manual de oficina literária com muitos trechos de literatura esmiuçados. A autora admite ter escrito o livro para ser usado para tal fim e procura analisar vários aspectos da criação literária, desde a menor estrutura do texto, "Palavras" (capítulo 3), passando por "Frases" (capítulo 4), "Parágrafos" (capítulo 5) até chegar nos estilos de escrita. "Narração", "Personagem", "Diálogo", "Detalhes" e "Gesto" (capítulos 6 ao 9) complementam seus ensinamentos sobre como construir uma história.

Mostra como a maioria das regras ensinadas em oficinas literárias foram quebradas com sucesso pelos grandes escritores. Isso demonstra que escrever é uma experiência pessoal, assim como ler.

O livro não conta nenhum segredo inédito. Tudo o que diz nós já sabemos e a maioria dos livros citados estão disponíveis para leitura em livrarias, sebos ou bibliotecas. Porém o modo simples e claro de analisar o texto revela detalhes que poderíamos ter deixado passar. De brinde traz informações curiosas sobre a vida de escritores famosos como aperitivos aos seus fãs. De que outro modo descobriríamos que Kafka, mestre em iniciar histórias com frases enxutas e marcantes, aprendeu e incorporou esse dom lendo Heirich von Kleist? E que Kleist suicidou-se com a esposa aos 34 anos de idade enquanto faziam um pequenique?A tradução e a qualidade do livro para o português estão em um bom nível, pecando apenas num "quem teria podido pedir" (pg. 15) e num "cismou que ia me sivilizar" (pg. 110) e em um erro de referência (pg. 211) em que o trecho kafkaniano analisado pertence ao livro O Veredito e não ao livro O Processo conforme mencionado. A introdução e acréscimos de Italo Moriconi são pertinentes para "encaixar" o livro americano no rol brasileiro. No final do livro há uma lista de leituras imediatas indicadas pela autora, mas não aparece nenhuma obra em português. Moriconi corrige esta injustiça com uma outra lista somente de livros brasileiros. Assim como todo copo de cerveja puxa outro, a leitura de um livro sempre dá vontade de ler outros e Para ler como um escritor não foge à regra, deixa o leitor louco para conhecer mais sobre Kleist, Tchekhov (que tem o capítulo 10 todo dedicado a ele), Jane Austen, Gogol e Tolstoi.Francine Prose é romancista, crítica, ensaísta e professora de literatura e criação literária há mais de 20 anos em universidades como Harvard, Columbia e Iwoa. Escreveu vários livros, alguns já publicados no Brasil: A vida das musas: Nove mulheres e os artistas que elas inspiraram (2004, Nova Fronteira) e Gula (2004, ARX).

Texto retirado do site: http://www.jefferson.blog.br/2008/05/para-ler-como-um-escritor-de-francine.html

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Juanna e Rodolfo

São os meus melhores amigos.
Dizem que a unanimidade é "burra", mas nesse caso não há como contestar, eles são os nossos maiores amigos; ficam tristes quando estamos tristes, quase surtam com a nossa presença depois do afastamento inevitável do dia-a-dia, buscam a proximidade e o carinho, são fiéis e refletem a nossa personalidade.

Juanna perplexa.

Amo os meus cães.

Rodolfinho moleque.

Rodolfinho e Juanna.

Juanna, em homenagem à Clarisse Lispector em "Perto do Coração Selvagem".

Juanna impaciente com tantas fotos.

Rodolfinho, meu querido menino, me escolheu quando passei, num dia frio em Varginha, pelo lugar em que estava preso. Só, com frio e doente. Levei-o para a casa e hoje está sempre ao meu lado, cuidando dos meus dias. Foi o seu olhar triste que me conquistou num frio dia nas montanhas das Minas Gerais.

Rodolfinho curtindo a preguiça do final de tarde.
Esta é uma singela homenagens aos meus melhores amigos. Agradeço por seus carinhos, suas amizades gratuita e suas presenças pacientes e silenciosas.
Juanna em pose de rainha.
Juanna em pose de rainha.