domingo, 29 de junho de 2008

The Bothersome Man (2006)

"The Bothersome Man” apresenta-se como um filme à la “Alice no País das Maravilhas” mas que no fundo tem como objectivo criticar a sociedade norueguesa contemporânea. Andreas (Trond Fausa Aurvaag) chega a uma nova cidade, recebido numa bomba de gasolina no meio do nada, onde um carro, um apartamento e uma vida o aguardam. No meio da insipidez do seu local de trabalho e dos relacionamentos que aí se processam, Andreas começa uma relação com Anne-Britt (Petronella Barker) e ganha uma ampla vida social. Porém, cedo se entedia e se interessa por uma bela colega de trabalho, Ingeborg (Birgitte Larsen), por quem está disposto a deixar tudo, mas que se revela ainda mais emocionalmente oca do que todos os outros que o rodeiam.

Andreas é desde logo apresentado como um estranho entre os da mesma “espécie”, a partir do momento em que é largado como o único passageiro de um autocarro sinistro, aparentemente sem origem nem destino, como se tivesse caído ali do nada para uma qualquer experiência sociológica. A vastidão e o vazio da paisagem, a ausência de música, apenas o chiar da placa da bomba de gasolina ao vento, faz lembrar “Northfork” dos irmãos Polish, em que o espaço por si só parece ter mais carácter do que qualquer personagem. Deambulando por uma cidade formatada no seio de uma sociedade assustadoramente autómata, vamos conhecendo o seu enfadonho dia-a-dia, em que tenta adoptar os mesmos hábitos dos seus colegas, o bar depois do trabalho, a conversa sobre decoração, o sexo mecânico, os sorrisos plásticos. Mas a sua distinção é sempre evidente, flagrante o seu mal-estar face, por exemplo, à completa e total insensibilidade dos transeuntes perante um suicídio, ou à reacção absolutamente neutra da namorada quando ele lhe diz que a vai abandonar por outra. Porém, o choque do vazio emotivo da sociedade norueguesa que vemos desfilar através dos olhos de Andreas nunca é contrabalançado pelo reconhecimento do drama desta personagem. Ao retratar a apatia das personagens e das situações, o realizador não está mais do que a gerar apatia em nós também.

Ao experenciar o seu desgosto amoroso em relação a Ingeborg, porém, o filme toma um rumo diferente, fazendo o paralelo entre o que Andreas vive e o que pensa/sente. A falta de personalidade e frivolidade daquela são a gota de água para arrasar a sua compostura e o seu mundo certinho é invadido pelo caos da sua mente. Imagens da realidade e imagens do que lhe vai na alma passam a ocorrer numa linha contínua, nunca se revelando onde acabam umas e começam as outras, a metáfora fundindo-se com os acontecimentos do quotidiano.

Depois de simbolicamente atropelado (várias e prolongadas vezes, até nos dar volta ao estômago) por um comboio, Andreas volta para a namorada, (metaforicamente) ensanguentado e despedaçado, e é, mesmo assim, ignorado por ela, apenas preocupada em cumprir os seus compromissos sociais. Do nada, transforma-se numa espécie de Winston Smith do “1984” de George Orwell, buscando obsessivamente o antigo “sabor” das coisas, perdido e rejeitado por um mundo desumano de produção em massa. Aqui temos toques de “Delicatessen” de Jeunet & Caro, onde na aparente pacatez se esconde a morbidez e a bizarria. Andreas segue, então, um misterioso homem que conheceu num bar, Hugo (Per Schaaning) quando este se queixava da falta de sabor do cacau. Juntos lançam-se em busca da origem de uma música que se houve da cave de Hugo, deitando abaixo a parede até encontrarem outra divisão. Conseguem alcançá-la através de uma fenda, um quarto onírico com vista para o mar e bolos acabados de fazer, talvez uma espécie de paraíso, uma espécie de renascimento. Entretanto juntam-se-lhes uma série de idosos do bairro, também eles aparentemente em busca de sensações esquecidas. Mas o barulho, porém, alerta a vizinhança que chama as autoridades e quando Andreas está mesmo a alcançar o manjar dos deuses é arrebatado de volta para a realidade e expulso por pessoas que, apesar de claramente o desprezarem, se lhe dirigem com o tal sorriso plástico, bem como o chefe quando lhe diz que ele foi substituído. Banido de uma comunidade simplesmente por não se conformar com o que lhe é oferecido, garantido.

No fundo, trata-se de uma crítica bem forte e escarnecedora de uma sociedade que, não obstante desenvolvida e superior, se tornou de tal forma automática e impessoal que rejeita todos aqueles que não se contentam apenas com a boa qualidade de vida, que esperam sentir algo mais, viver algo mais. Para o bem comum, ninguém é já insubstituível, ninguém pode fazer a diferença, espera-se apenas que as pessoas se cinjam às regras estabelecidas sem outros desejos nem anseios que deveriam ser tão inerentes à condição humana. Se não se cingirem, apenas se descartam porque ninguém é único. A questão da população envelhecida também se coloca. Uma sociedade desenvolvida implica uma esperança de vida acrescida, mas se só se visa a utilidade das pessoas, os idosos são totalmente negligenciados e arrumados porque já não podem ser produtivos a essa sociedade que dispõe de condições para que se viva até essa altura. A aparente incapacidade de ligações afectivas é assustadora.

No entanto, a escolha de veicular esta mensagem de uma maneira tão metafórica e simbólica, que acaba por ser ela própria tão fria, falha em criar empatia com o espectador. O realizador opta por planos estáticos e estáveis, a câmara passiva e fria, talvez porque as imagens e os acontecimentos por si só bastem para chocar qualquer um. Se a primeira parte nos submerge em letargia, a segunda revela-se excessiva e sem nexo, como uma medida desesperada para nos abanar do torpor. Não temos nem a melancolia agri-doce dos irmãos Polish nem a genial esquizofrenia de Jeunet & Caro, temos um filme desequilibrado em que, se não nos conseguirmos reconhecer em Andreas, tudo nos parece absurdo. A crítica social enquanto obra cinematográfica tem limites.

Texto retirado do link:

http://www.fanaticine.net/ineditos_thebothersomeman.htm

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