domingo, 30 de março de 2008

OLHE PARA OS DOIS LADOS

Drama romântico fala de luto com a delicadeza de um elefante (cor-de-rosa)
17/05/2007Marcelo Hessel

Olhe para os dois lados (Look both ways, 2005) é uma mistura de drama com romance que trata de luto. Luto não só pelos que já foram, mas também pelos que ainda morrerão. A produção australiana escrita e dirigida por Sarah Watt trabalha essa premissa funesta com a delicadeza de um elefante - cor-de-rosa.

Meryl (Justine Clarke) está voltando para casa em Adelaide depois do funeral de seu pai. Ela é pintora. Quando Meryl atravessa a rua, o filme muda sem aviso, por um segundo apenas, para uma animação da moça sendo atropelada. Em seguida Meryl anda ao lado da linha do trem. A animação entra de novo, agora mostrando um descarrilhamento fatal. Passado o estranhamento, percebemos que se trata de um fluxo de consciência fatalista. A pintora fica imaginando a cada minuto como o mundo ao seu redor pode matá-la.

Nick (William McInnes), fotógrafo viajado, também vê a morte por todo lado - especialmente depois que descobre ter um câncer fulminante. O luto de Nick, como o de Meryl, também é apresentado a nós em forma de imagens. Se alguém fuma ao seu lado, o fotógrafo imagina as células cancerígenas se multiplicando no pulmão do sujeito... Claro que esses dois personagens vão se conhecer e, com tanta coisa em comum, vão se apaixonar.

Em meio a um começo tão "delicado", o momento do encontro dos dois até que tem sua poesia. Nick é chamado pelo jornal local a cobrir um atropelamento de trem. No local do acidente, ele tira uma fotografia belíssima da viúva da vítima, no momento em que ela descobre o ocorrido. Meryl, por acaso, estava passando por ali e assistiu ao acidente - enquanto relata a um repórter a cena, é aí que ela conhece Nick.

Não tem filme mais batido do que dramas românticos em que homem e mulher, com os dias contados, se escoram um no outro em busca de conforto. Se conta a favor de Olhe para os dois lados, Watt não aborda o tema com aquele pesar de telefilme hollywoodiano. O fato de transformar a morte em um misto de banalidade e curiosidade - por meio das animações de Meryl e do "olhar CSI" de Nick - tira do filme todo aquele tom trágico que se poderia esperar. A morte é algo irrecusável, afinal, e o negócio é aproveitar enquanto ela não chega.

De fatalistas, então, Meryl e Nick podem achar um no outro esse senso de oportunidade. Pode ser a idéia que fazemos dos australianos - desencanados, solares - mas Olhe para os dois lados passa mesmo a sensação de que está falando do pior assunto do mundo da maneira mais leve possível.

Um comentário:

Anônimo disse...

São excelentes os seus comentários.

Beijão Afonso Celso