quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A SOMBRA DO VENTO

A leitura de “A Sombra do Vento” de Carlos Ruiz Zafón é uma experiência impar, onde a reflexão objetiva, as idéias filosóficas, sociológicas e/ou políticas cedem espaço para o simples sentir. Substantivado o verbo, ampliada a semântica, o sentir se torna o nome da subjetividade levada às suas mais assustadoras conseqüências: a perdição pela insanidade.

Zafón propicia ao leitor essa viagem alucinada/alucinante por uma realidade cruel – nem por isso desprovida de lirismo – e verdadeira, carregada de fantasia. É isso mesmo, CONTRADIÇÃO ABSOLUTA.

Ao fechar o livro e, ato contínuo, abraçá-lo junto ao peito, tem-se a certeza que se esta diante da própria história. Comprovada a inutilidade de todas as tentativas de tornar-se especial, está-se sempre repetindo existências antepassadas. A vida é um eterno repetir de histórias, a exemplo do apresentado no filme “Les um et les autres”, de Claude Lelouch, 1981.

A obra, além de metalingüística, pois enaltece e canta com primor a arte literária, tanto por parte do escritor como do leitor: “[...] Cada livro, cada volume que você vê, tem alma. A alma de quem o escreveu, e a alma dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos pelas suas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se fortalece.” P.9, é também, ao mesmo tempo, suspense e mistério.
O primeiro contato de Daniel, um dos inúmeros narradores, com um livro, efetua a mudança no menino de dez anos que permeará sua existência adulta.
“[...] poucas coisas marcam tanto um leitor como o primeiro livro que realmente abre caminho ao seu coração. As primeiras imagens, o eco dessas palavras que pensamos ter deixado para trás, nos acompanham por toda a vida e esculpem um palácio em nossa memória ao qual mais cedo ou mais tarde – não importa os livros que leiamos, os mundos que descubramos, o quanto aprendamos ou nos esqueçamos – iremos retornar.” P.11
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“... os livros são espelhos: neles só se vê o que possuímos dentro...” p.174

Carlos Ruiz Zafón

A narrativa é cinematográfica, fragmentada, com personagens narradores, misturando estilos. A linguagem ferina e cruel provoca náusea. O impacto faz da obra um fenômeno editorial pela ousadia do autor.

“ [...] Daniel ‘as pessoas são muito malvadas.’ ‘Malvadas não – observou Fermín – Imbecis, o que não é a mesma coisa. O mal pressupõe uma determinação moral, intenção e certa inteligência. O imbecil ou selvagem não pára para pensar ou raciocinar. Age por instinto, como besta de estábulo, convencido de que está fazendo o bem, de que sempre tem razão e orgulhoso de sair fodendo, desculpe, tudo aquilo que lhe parece diferente dele próprio, seja em relação à cor, credo, idioma, nacionalidade (...). O que faz falta no mundo é mais gente ruim de verdade e menos espertalhões limítrofes.’ P.129

“[...] Observei aquele grupo de despojos humanos (velhos num asilo) num canto e sorri. Sua mera presença me pareceu um estratagema de propaganda em favor do vazio moral do universo e da brutalidade mecânica com que este detruía as peças que já não lhe pareciam úteis.”
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... “A mãe natureza é uma grande puta, é a triste realidade.” P.209

“[...] Juanito só sabe soltar “peidos” e esses aí só sabem rir e aspirá-los. Com vê, a estrutura social aqui (no asilo) não é muito diferente da do mundo lá fora.” P. 210

Priorizado o sentir, secundarizado o racional, a obra de Zafón dá o alerta final para a perda maior do homem nos tempos da mídia de imagens na voz de Beatriz:

“[...] Bea diz que a arte de ler está morrendo muito aos poucos, que é um ritual intimo, que um livro é um espelho e só podemos encontrar nele o que carregamos dentro de nós, que colocamos nossa mente e alma na leitura, e que esses bens estão cada dia mais escassos.” P 396

Gostaria de propor aos meus leitores (que não são muitos), uma brincadeira. Vamos colocar no espaço para comentários o título e o nome do autor do nosso primeiro livro, seguido de nossas impressões imediatas e das influências que exerceram em nossas vidas até agora. Para motivá-los darei o primeiro depoimento.

Minha primeira leitura foi aos nove anos. Na biblioteca da escola peguei um volume da Edição Maravilhosa – As Aventuras de Marco Pólo – Ano I no.12 da Coleção Clássicos Ilustrados, de Adolfo Aizen. Fiquei tão impressionada, que não falava em outra coisa. Meu pai, motivado pelo meu interesse, me presenteou com uma coleção de cem livros infantis – que possuo até os dias de hoje. A viagem que fiz junto com Marco Pólo despertou em mim a necessidade de repetir aquela emoção. Descobri, e mantenho até a idade outonal o prazer por essas aventuras fantásticas pelas páginas de um livro
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8 comentários:

Anônimo disse...

Meu primeiro livro, livro mesmo quem me indicou foi minha madrinha. Ela me chamou toda séria, eu tinha por volta de 10/11 ano e ela me entregou um livro meio velho e todo amarelo e disse:
- Esse livro vai mudar a sua vida!

Na hora pensei, nossa deve ser uma chatura e ainda velho... Mas como minha madrinha representava o tudo cultural da época pra mim, resolvi sentar e ler...

Fiquei pasmo e engoli palavra por palavra e assim como vc Anália também abracei o livro no final.
O livro foi o romance da literatura francesa "O Conde de Monte Cristo" escrito por Alexandre Dumas em 1844...
Óbvio que muito do livro se perdeu diante de minha imaturidade, na época. Porém, a magia de toda a aventura, da traição de uma amizade e de uma volta por cima triunfante me encantou... Passei semanas discutindo com minha madrinha o livro e ela tentava, em vão, me convencer que a vingança nunca é positiva.

Pensei:

- Que se exploda esse negócio de não fazer justiça com as próprias mãos eu queria era que o Edmond Dantes subisse em cima do Fernand Mondego esfregasse a cara dele no chapisco e pegasse a Mercedes de volta...

Tá... minha madrinha me convenceu depois mas a vontade de dar na cara do Mondego... Ah essa não passou até hoje.

Bjão enorme e saudades! Adorei a idéia!

Diogo Faria
PS: Terminei meu mestrado em Educação na UFMG! Tô livreeeeeeeeee! Bjin

Anônimo disse...

Que chique, minha amiga tem um blog !!! Também, mestre em literatura !!! Tinha que ter mesmo !!!
Seu blog é muito bacana ... Parabéns !

Tati.

Anônimo disse...

Querida Anália,
A curiosidade foi maior do que a falta de tempo, o que comprova mais uma vez que tempo é uma coisa relativa. De fato, tempo é prioridade. Mas vamos ao que interessa. Adorei sua resenha. Muito boa mesmo! Minha leitura foi exatamente a sua. Entrei no fantástico sem me preocupar minimamente com o entendimento. Li com o coração, as víceras e a imaginação. Adorei deixar-me levar pela história, entregue ao clima onírico que ela cria.
Bjs.
Fernando

João Videira Santos disse...

Minha muito querida Amiga

Sem que a amizade a isso me mova, quero ser justo na apreciação que faço e felicitá-la pelo seu blog.

Discreto mas...muito bom!

Ele é um recanto cultural de divulgação da leitura que, concerteza, incentivará quem aqui chegar e se deparar com esta feliz montra.

Depois, quero agradecer a sua visita, o seu comentário-poema e
acrescentar que estou esperando a sua visita.

Com os defeitos e virtudes que a história lhe aponta, Portugal nunca foi país de não acolher ou renunciar os frutos das suas raízes, portanto...VENHA!

Há muito que espero por si.

Finalmente, agradeço o facto de ter colocado o link do meu blog no seu.

Retribuo com redobrada simpatia e amizade.

Beijos

Anônimo disse...

Querida Anália,

Obrigada pela oportunidade de participar de um momento tão especial.

Descubro,aprendo e admiro sua paixão pela vida, pela literatura e pelo ser humano.

Aguardo ansiosamente o lançamento do seu livro.

Encontrei no meu caderno de frases um pequeno texto que diz:

"Dois a dois
Pode ser união ou guerra
Dois a dois
Pode ser disputa ou cooperação
Dois a dois
Pode ser ódio ou perdão.
Não importa como nos encontramos
O importante é a oportunidade de estar
Dois a dois."

Atenciosamente,

Marcia Fernandes Correia

Anônimo disse...

Oi minha linda, td bem? Parabéns pelo prêmio que você recebeu da Petrobras, ontem. Um grande beijo e estou com saudades, hein?
Lulu

Anônimo disse...

Cara Anália.
Tenho recebido e lido,com carinho, tudo que me envia e abro sempre o sei blog, que achei de bom gosto e elegante.
Pensei que havia me esquecido e o modo como nos conhecemos,lembrando meu desejo de conhecê-la pessaolmente, embora saiba do seu compromisso.
Sempre tive curiosidade, despertada no primeiro instante, por tudo que faz e me entusiamei quando retribuiu minha mensagem inicial.
Tenha um bom domingo e cumprimentos pela obra.
Um beijo saudoso
Napoleão

Anônimo disse...

Estou tentando fazer comentários e não consigo.Este é apenas para testar se dessa vez vai.