domingo, 15 de agosto de 2010

O VERMELHO E O NEGRO


Há, pelo menos, 30 anos li a obra de Stendhal “O VERMELHO E O NEGRO”. Cansada da literatura atual, optei por reler os clássicos universais. Como escrevi no post anterior, iniciei com “CRIME E CASTIGO”.
Hoje terminei a leitura de Stendhal. Definitivamente o livro não era o mesmo, a história completamente diferente e a personagem, Julien Sorel, uma surpresa.

Lembro-me da antipatia que ele me despertou na primeira leitura, da desconfiança que tinha do seu caráter. Não entendi Julien, mas agora, na maturidade, posso compreendê-lo e a antipatia se esvaeceu na reflexão e no impacto que sua personalidade me causou.

A leitura é encantadora, o autor, em suas digressões (que lembram Machado), nos inclui na elaboração da narrativa: justificativas, esclarecimentos e até desculpas nos são dirigidas em alguns parágrafos.

Selecionei algumas passagens, mais pela identificação que logrei com estas do que pela preocupação em transmitir, aos meus leitores, o que quer que seja. Das escolhidas, vou transcrever poucas, para não cansa-los e para não furtar-lhes o prazer da leitura.

STENDHAL (Marie-Henry Beyle)

DE JULIEN, na prisão, pois só aí se vê diante de si e identifica-se enquanto homem-provinciano-especial-único:

Diante da morte:

“[...] Palavra, se eu encontrar o Deus dos cristãos, estou perdido: é um déspota e, como tal é cheio de idéias de vingança; sua Bíblia só fala de punições atrozes. Nunca o amei; nunca quis mesmo acreditar que o amassem sinceramente. Ele não tem piedade.”

Ainda no calabouço, quando consegue se definir:

“[...] Não se conhecem as nascentes do Nilo [...] não foi dado aos olhos do homem ver o rei dos rios em estado de simples córrego; assim também nenhum ser humano verá Julien fraco, e antes de tudo porque ele não o é. Mas eu tenho um coração fácil de comover; a mais simples palavra, se for dita com um acento verdadeiro, pode enternecer minha voz e mesmo fazer correrem minhas lágrimas.”

Escolhi duas digressões metalingüística de importância para os leitores conscientes:

“[...] Senhores, um romance é um espelho que é levado por uma grande estrada. Umas vezes ele reflete aos vossos olhos o azul dos céus, e outras a lama da estrada. E ao homem que carrega o espelho nas costas vós acusareis de imoral! O espelho reflete a lama e vós acusais o espelho! Acusai antes a estrada em que está o lodaçal, e mais ainda o inspetor das estradas que deixa a água estagnar-se e formar-se o charco.”

Numa digressão onde o autor conversa com o editor que lhe cobra a transcrição de uma conversa política e responde:

“[...] A política – respondeu o autor – é uma pedra amarrada ao pescoço da literatura, e que em menos de seis meses a submerge. A política no meio dos interesses da imaginação é como um tiro no meio de um concerto. É um ruído que é cruel sem ser enérgico. Não harmoniza com o som de nenhum instrumento. Essa política irá ofender mortamente metade dos leitores, e aborrecer a outra, que a viu de uma forma muito mais interessante e energia nos jornais da amanhã...”.

Pois bem, concordo completamente com o autor, um homem complexo e incompreendido em sua época, que foi obrigado a escrever pouco posto que necessitasse sobreviver, trabalhar.

Julien só mergulhou em si após a prisão, na solidão do cárcere identificou sua verdadeira natureza e alcançou o estado de felicidade, até então impossível para o pobre provinciano filho de um carpinteiro.

Conforme atesta a digressão metafórica do espelho, Stendhal não esconde a vileza, a imoralidade e a hipocrisia da época e, de hoje, que reinam absolutas nas mais diversas sociedades humanas.

Espero viver o bastante para reler obras dessa natureza, para identificar-me na leitura madura de livros já lidos há tempos passados.

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