segunda-feira, 7 de setembro de 2009

IDIOCRACY

Idiocracy - (2006)
Idiocracy
por André Silva Navarro

Idiocracy começa terrivelmente mal: insinuando que a espécie humana está ficando cada vez mais estúpida por motivos genéticos - mais especificamente, porque as pessoas inteligentes não estão tendo filhos e as burras estão, como se a inteligência de um pessoa dependesse inteiramente dos pais. E isso é uma gigantesca estupidez, o que é irônico considerando que estupidez é justamente o que o diretor e roteirista Mike Judge condena neste filme. Aliás, de acordo com a introdução do filme, só existem pessoas burras e inteligentes, sem nada no meio. Pior: pessoas burras ou de inteligência normal aparentemente são incapazes de feitos grandiosos, sendo fadadas a levar suas vidas de forma quieta e inútil. E como se isso tudo não fosse suficiente, Judge ainda parece acreditar que o fator determinante do "valor" de um indivíduo é apenas seu QI.

Felizmente, o filme deixa essa postura retardada para trás a partir do momento que o protagonista - o insignificante Joe Bauers (Luke Wilson) - e uma prostituta chamada Rita (Maya Rudolph) são congelados numa experiência militar e, por acidente, só acordam quinhentos anos depois e dão de cara com uma sociedade incrivelmente imbecil, populada por seres humanos facilmente manipulados por comerciais e cujo filme favorito chama-se "Bunda" e consiste de uma bunda sendo filmada peidando por noventa minutos. Incapaz de achar soluções para o lixo e para a alimentação, esta sociedade do futuro acaba sendo surpreendentemente verossímil, já que é possível traçar vários paralelos com os dias de hoje: os comerciais manipulativos, os filmes preguiçosos que fazem sucesso, o crescente uso da tecnologia para aumentar o conforto dos humanos - o que me fez lembrar do fabuloso Wall-E, onde as pessoas do futuro usam poltronas flutuantes para se deslocar. E nesta sociedade medíocre, os medianos Joe e Rita são considerados gênios - algo que os coloca em péssimas situações. Porém, o erro de Judge (e do co-roteirista Etan Cohen) é achar que a humanidade chegaria a esse ponto devido à reprodução de pessoas burras sendo maior que a de pessoas inteligentes (até dói escrever isso). Não, se a humanidade chegar a tal decadência, será por nossa própria culpa - nos deixando manipular pelos confortos de hoje em dia e ficando cada vez com mais preguiça de pensar.

Se ignorarmos esta ridícula postura de Idiocracy, o filme se transforma numa comédia surpreendentemente eficaz e que, mesmo equivocada, se torna socialmente relevante ao tocar em certos aspectos. Repare, por exemplo, como a polícia do futuro cerca um carro supostamente com gente dentro e o metralha impiedosamente (até uma bazuca é usada) - numa referência clara à brutalidade policial de hoje (o que me fez lembrar tristemente do garoto de três anos, João Roberto, morto por dois PMs). Ou como uma bebida chamada Brawndo substitui completamente a água, que passa a ser usada apenas em vasos sanitários.

O filme também acerta ao extrair humor da burrice da sociedade do futuro - com destaque para a brilhante cena em que Joe tenta explicar aos ministros porque água é melhor do que Brawndo para fazer plantas crescerem ("Mas Brawndo tem eletrolitos!"). Apesar de ter uma filosofia distorcida no que diz respeito à espécie humana, Mike Judge definitivamente tem talento para humor, e não pude deixar de rir em diversas cenas - algo que não faço com facilidade. O roteiro dele e de Etan Cohen consegue criar novas maneiras de complicar a vida de seus protagonistas, e jamais transforma Joe ou Rita em "gênios" de repente - eles permanecem consistentes do início ao fim, sendo apenas o cenário em volta deles que muda.

Na direção, Judge também faz um bom trabalho, escolhendo ângulos e movimentos de câmera que realçam a comédia. O filme também é muito beneficiado pelo seu ótimo elenco - começando com Luke Wilson, que compõe o protagonista mais mediano que você possa imaginar. Com bom timing cômico, ele carrega o filme facilmente sem desperdiçar nenhuma gag. Maya Rudolph está razoável, sem brilhar mas sem prejudicar. Dax Shepard está hilário como o retardado Frito e Terry Crews, impecável como o presidente Camacho (seus discursos são impagáveis). Não há um único membro do elenco que não convença como um completo imbecil.

Idiocracy é realmente engraçado, só é pena que seja tão equivocado a respeito do que pode levar a humanidade à ruína - não é QI ou genética, somos nós. Porque se fosse impossível fazer as pessoas mudarem de idéia só porque são burras ou inteligentes ou que quer que seja, nós já teríamos sido extintos há muito tempo.


http://www.cinemaemcena.com.br/Critica_Detalhe.aspx?id_critica=7221&id_tipo_critica=1

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