domingo, 10 de maio de 2009

A CERTIDÃO DA TERRA

A obra de Hugo de Lara chegou às minhas mãos numa das inúmeras "garimpagens" que efetuo nos sebos da Cidade. Escolhi o livro pelo tema. Poderia ter me enganado e interrompido a leitura imediatamente, mas não foi o que aconteceu. Logo nas primeiras páginas fiquei envolvida, tomada pela narrativa singular desse autor desconhecido. Continuei mergulhada em suas páginas e a surpresa foi se apoderando de mim, o sorriso que nascia em meus lábios em determinadas passagens, o deslumbramento que senti ao encontrar a lucidez social e humana no personagem MATIAS, o meu preferido. O Padre Crisóstomo e suas reflexões a respeito da vida, dos homens e seu papel de pastor de Deus, me emocionaram. As histórias das minas gerais, a mula sem cabeça, a cobra Glorinha, o capeta na garrafa, enfim, presenciei, nas páginas de A Certidão da Terra, a minha infancia em Minas Gerais, minhas idéias políticas, minha desesperança na humanidade e ao mesmo tempo a esperança em que pode haver mudanças. Mergulhada num turbilhão de reflexões de personagens incríveis, bem construidos, fui me diluindo no calor do "sentir" do autor.
O lirismo, presença constante na narrativa, não deixou dúvida, estava diante de um autor maravilhoso, doce e ao mesmo tempo cruel, ingênuo e maldoso, com primor linguístico e ofensas à língua mãe, tudo ao mesmo tempo, numa mistura saborosa bem ao modo brasileiro. Um autor brasileiro sem sombra de dúvidas.
Mas fiquei decepcionada, não encontrei qualquer vestígio do autor ou da obra na internet. Nem mesmo algumas imagens para ilustrar este texto. Fiquei triste com a invisibilidade de um escritor tão competente e sensível, na nossa mídia. Enquanto escritores estrangeiros ocupam os primeiros lugares nas listas de mais vendidos. Não afirmo que sejam livros ruins, há excelentes obras nessas listas, mas reclamo da falta de apoio aos nossos autores, restritos às salas de aula como castigo para alunos analfabetos funcionais que não conseguem ler mais de uma página sem cair no tedio imbecil de nossos tempos. Desculpem o desabafo.
Para compensar o silêncio e a ausência de imagens nesta postagem, vou transcrever alguns textos do livro:
OMISSÃO
"[...] É grave, decidiu. E sentiu dolorosa e fisicamente a dor de pensar no que os homens tinham feito e iam fazendo da vida, e pensava Deus há de acabar com tudo [...] Eu sou um ruminante, balancei dias e dias na minha cadeira na varanda, e não movi uma palha por minha mulher, pelos meus filhos.... só o amor pela minha família já teria valido a pena, já teria salvo um bom pedaço da raça humana, ja teria purificado uma boa quantidade de ar no mundo.[...]" p.50
AMOR
"[...] Maria!, vem aqui, perto de mim, se assente, assim, não dá tempo de chorar, de embaçar os olhos e não te ver, não dá, não, nem para mim nem para você, que se tem vinte e quatro horas de vida, vinte e quatro horas passo te querendo, e uma hora, que me esgote, que me mate, que me sufoque, mas é uma hora, compreende, Maria?, [...]" p.134
SEXO
"[...] Foram para o quarto e se tomaram e se deram até à exaustão, violentos e carinhosos, alegres e tristes, com riso e choro, esperançosos e desesperados, e se lamberam e se morderam, se curaram e se feriram, e depois ela se aninhou em seus braços, disse eu sou mais feliz que as mulheres de vida eterna, que tanta intensidade desse amor, tanto carinho e tanta fúria, tanta angústia e alegria nesse trepar só é possível para mim, mortal e fraca. E dormiram e acordaram no meio da noite e recomeçaram e dormiram e tornaram a recomeçar, e que felizes!, ela dizia, ele concordava, se morressem assim.[...]" p.146
VELHICE
"[...] preciso mesmo de solidão, de pensar. Dá muito trabalho para mim decidir sobre o mínimo gesto que faça. É como se tivesse que pagar por todas as vezes que agi sem pensar. E isso foi toda a minha via [...] Não estou mais tão seguro, e nem tenho certeza das coisas como tinha. [...] depois de pensar muito tempo na melhor solução concluo invariavelmente que cada um tem a sua resposta, e não poderia responder por ninguém nem ninguém por mim.[...]" p.380
Poderíamos continuar, pois são muitos os trechos selecionados por minha admiração, mas precisam estar contextualizados. O texto que postei sobre a velhice, por exemplo, é do padre Crisóstomo, comunista, cavalheiro mascarado que roubava do ricos para dar aos pobres, homem caridoso e comprometido com seus fiéis, tentava mudar o mundo.
A narrativa do sexo é feito por dois jovens, que na lua cheia se tranformavam em lobsomen, a do amor é do Matias com sua esposa Maria, doente com "morte de hora marcada". E vamos passeando por inúmeras crenças, injustiças, medos e perdões, mortes e nascimentos.
O Buriti nasce, prospera pelas mãos de seus cidadãos e começa a morrer pelas mãos de homens inescrupulosos que criam o estado de direito, com prefeito, vereadores e poder de polícia. É então que o Buriti começa a morrer. A maldade transforma todos em cogumelos que explodem com a maldade final, o Gabriel corrompido, pior que o Juquinha Peçanha.
NOSSA!!!!!
Vou contar a história toda, mas não se preocupem, é impossível numa só leitura absorver toda a história, afinal, é A Certidão da Terra, o nascimento, a glória, a decadência, o poder e finalmente a morte de uma cidade? uma nação? morte do mundo? Quem sabe! Você escolhe.
Leiam, e quem souber do paradeiro de Hugo de Lara, por favor, me escreval.
LARA, Hugo. "A Certidão da Terra". Editora José Olympio, Rio de Janeiro. 1986

2 comentários:

hugo de lara disse...

Anália,
lendo o seu blog, onde fala do Certidão da Terra, tive uma surpresa muito agradável. Quando você falou do autor, falou de mim,
essa confusão que sou. E quando li os trechos, não sabia que os tinha escrito.
Obrigado pelo carinho com que me tratou.
Hugo de Lara - hd.lara@hotmail.com

Anália Maia disse...

Hugo,
curvo-me à sua obra e talento. Você não pode imaginar a alegria que me deu aos postar este comentário. Tenho procurado por notícias suas através de amigos, colegas, alunos, professores, mineiros amados, todos lhe conhecem o nome, mas ninguém sabe me informar onde encontrá-lo. Estou feliz, hoje é um grande dias.

Abraços fraternos e quem agradece sou eu, pela leitura maravilhosa que me proporcionaste.

Anália