sábado, 15 de novembro de 2008

FUGALAÇA - Mayra Dias Gomes


"[...] Era sempre igual. Sempre a insatisfação, sempre a espera, sempre a preguiça, sempre o ócio, sempre o medo, sempre a mutilação, sempre a solidaõ e sempre as vozes. Sempre os excessos. Sempre me perdia em caminhos desconhecidos procurando razões, razões demais. Sempre esperava que algo me salvasse de mim mesma, esperava demais. Sempre me entregava à paralisia e à letargia, me entrega demais. Sempre deixava de falar ou de fazer, calada pelas expectativas medrosas, medrosas demais. Sempre vagava em multidões, olhando sem ver, se sentindo sozinha, sozinha demais. Sempre ouvia os sussurros berrantes das vozes na minha cabeça, prestava atenção demais. Sempre me julgavam excessiva e eu tantava me provar demais. Sempre demais. Mas eu só estava sendo eu mesma, e este só não é nenhum excesso. Este só não é demais.[...]"
Só quem vivenciou as experiências narradas pela adolescente de 16 anos - Satine - pode entender o significado da "dor". Identifiquei atônita, na obra de Mayra, então com 17 anos, a minha própria adolescência. Solidária com a "dor" da personagem, que se confunde com a dor da autora, vivenciei minha própria "dor". Também sofri, e sofro, com a incompreensão, com a indiferença, com a solidão mais profunda, a solidão da ausência de interlocução. O pior, e para Satine/Mayra ainda é uma incognita, é que o tempo passa, as rugas surgem, a pele se torna lisa e sem elasticidade, cai tudo, a bunda, os seios, a esperança, as ilusões... mas a única coisa que não muda, que permanece, é a "dor". A maturidade nos dá maior controle sobre Ela, mas sabemos que está lá, no coração e na mente.

"[...] Na verdade a batalha não é entre o Bem e o Mal. A guerra não passa de uma confrontação do Coração com a Mente. A mente, lá em cima na cabeça, acha que é superior ao coração e mesmo quando ele dói ela ordena que ele continue. [...]"

Satine corta os pulsos, não é para se matar, para provocar uma dor física que supere a insuportável dor emocional. Mas corta fundo demais e o seu gesto se torna uma tentativa de suicídio. Mais uma vez fazem uma leitura simplista de seus gestos. Descontrolada, imatura, viciada, enfim, rótulos que sequer arranham a essência do sentir da personagem.

Uma menina de dezessete anos, filha de Dias Gomes e Janete Clair, escreveu o livro e publicou em 2007 pela editora Record.

A AUTORA

"Existem doses fortes de realidade e doses fortes de ficção neste livro. A história é um mesclado daquilo que vivi com aquilo que presenciei. Seja através de pessoas que passaram pela minha vida ou através da minha imaginação. Satine é meu alter-ego, o outro eu - aquele que posso controlar e dirigir. Posso minimizar, maximizar, dramatizar, romantizar ou modificar sua história. Há uma grande semelhança com o mundo em que vivi, pois escrevo sobre o que sei e o que sei faz parte de quem sou. "

Nenhum comentário: